O tempo
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
— Mário Quintana
E prosseguimos em quarentena, contando os dias sem saber quantos dias faltam! Nesses dias tenho lido muito o poeta gaúcho Mario Quintana.
O tempo foi um personagem presente em muitos dos escritos de Quintana. Mestre das coisas simples, uma das frases mais geniais do autor reflete a importância de usarmos nosso tempo com inteligência:
“Não faças da tua vida um rascunho, poderás não ter tempo de passá-la a limpo.”
Herdei de minha mãe um certo pessimismo, às vezes tendendo para o vitimismo. Fico sempre vigilante para não deixar essa herança tomar conta de meus dias. Quero não ser otimista, e sim realista. Mario Quintana ajuda nisso quando leio e releio seus poemas, que de tão coloquiais parecem uma conversa de amigos.
Canção do dia sempre
Nas tuas mãos distraídas…
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
E me forço a acreditar no que o poeta diz, que conseguindo encontrar encanto no cotidiano a vida fica mais fácil.
Outro ensinamento do poeta fala sobre o autocuidado, tão necessário quando estamos cercados de informações tristes e restritos em nossa liberdade. Ele diz:
“Cuide do jardim e as borboletas virão até você.”
Assim tenho feito. Procurando me cuidar fisica e emocionalmente.
Procurando pessoas interessantes para ouvir, encontrei uma palestra do TED USP de uma médica geriatra, especialista em cuidados paliativos, chamada Ana Claudia Arantes Quintana. O título da palestra: A morte e um dia que vale a pena viver, mais atraente impossivel.
Ana Cláudia Arantes Quintana
De imediato, após assistir a palestra, fui ler os dois livros dela.
Encontrei nesta médica e autora, uma poeta que fala da morte, que pode ser sim, bela e boa. Morrer não é sempre horrível. Afinal, é o fim de nossa existencia, de nossa história, onde tudo se fecha. E ela será tão boa, quão boa for nossa vida.
Se queremos ter uma boa morte, devemos ter uma boa vida. E aí a temática tempo e o que fazemos dele volta a tona com toda a sua força.
“O tempo é uma questão recorrente quando falamos sobre a finitude. Quando não houver mais tempo, dará tempo de ser feliz?”
“Quando passamos a vida esperando pelo fim do dia, pelo fim de semana, pelas férias, pelo fim do ano, pela aposentadoria, estamos torcendo para que o dia da nossa morte se aproxime mais rápido. Dizemos que depois do trabalho vamos viver, mas esquecemos que a opção "vida" não é um botão "on/off" que a gente liga e desliga conforme o clima ou o prazer de viver. Com ou sem prazer, estamos vivos 100% do tempo. O tempo corre em ritmo constante. A vida acontece todo dia, e poucas vezes as pessoas parecem se dar conta disso.”
Ana Cláudia usa a metáfora do muro para falar sobre a morte: estamos vivendo, caminhando pelo mundo até que nos deparamos com um muro. Ao chegarmos ali, não há como voltar ou escalar. Só podemos olhar para trás.
“O que norteia nosso caminho e nos impele a fazer boas escolhas é a certeza de que, quaisquer que sejam nossos caminhos e escolhas, o muro nos aguarda.”
Muito forte isso. Um livro de cabeceira, para ser lido e relido, e que certamente mereceria muitas páginas de reflexão.
No seu segundo livro - Histórias lindas de morrer - ela concretiza as ideias e teses defendidas no primeiro livro. Relato de casos reais, que ela acompanhou durante a fase terminal, dentro de sua área de cuidados paliativos. Esse um livro me fez sorrir e chorar, respirar fundo e fazer longas pausas.
A leitura desses dois livros tornou meus dias mais leves. Sim ler sobre a morte, me fez dar mais valor a vida e aos dias que ando vivendo. Tenho que fazer deles dias valorosos de minha existência, pois como diz Mario Quintana o relógio não para.
O Relógio
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.
Claro, que não me tornei a mais alegre confinada. Somente mudei o olhar sobre os dias, que me pareciam tão vazios, quando estou privada principalmente do encontro com pessoas que mais amo. Tenho o que é mais precioso a cada dia - a vida. E vou fazer com que ela valha a pena sempre!
Posso parecer meio hiena, ou avestruz com a cabeça enterrada no chão, vivendo num país liderado por figuras tão sinistras. Mas não! Ganhei a certeza que minha vitória sobre tudo que está aí instituído é me preservar viva e com minha sanidade plena.
E Quintana, mais uma vez, me socorre:
Poeminha do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Até a próxima! Fiquem bem!