Racismo estrutural que sufoca

Um homem negro foi espancado e morto por dois seguranças de uma unidade do Carrefour no bairro Passo D'Areia, em Porto Alegre, na véspera do dia da Consciência Negra. Segundo relatos, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi levado após um desentendimento para o estacionamento do hipermercado onde a agressão o levou à morte.

O homicídio foi gravado, e o vídeo corre nas redes sociais. O assunto está entre os mais comentados das redes nesta manhã, dia em que se celebra a Consciência Negra.

Escrevo hoje, dia 20, data em que se comemora o dia da consciência negra em algumas (sim, algumas somente) cidades do Brasil, e acordei com essa notícia estampada em todos os sites.

Tinha já todo um post escrito, sobre outro assunto e livros diversos. Devo confessar, que nunca me atrevo a falar de racismo e as razões são múltiplas. Primeiro, e talvez a mais importante, é o de não ser meu lugar de fala, mesmo eu sendo neta de negros, eu sou branca. Não tive no meu convivio social próximo nenhum negro. Não tive professores negros. E somente dois colegas de trabalho negros, onde um deles, o mais próximo,  sempre andava extremamente arrumado para um ambiente universitário. Uma vez perguntei a ele o porquê de estar assim sempre tão chic, sempre social  - “Helô, tem que ser assim, porque se eu me vestir à vontade como vocês, logo irão me dar um projetor para carregar. Não serei nunca o conferencista em um congresso.”

Então, já me desculpando pelo “desajeito”, vou falar sobre dois livros que li recentemente e que sempre me voltam a cabeça.

Esse livro de Itamar Vieira Jr. foi sem dúvida uma das melhores leituras que fiz esse ano. Bem difícil descrever toda a emoção que senti com essa leitura, que entra debaixo da pele e se funde na gente. A trama se passa na Fazenda Água Negra, no Sertão da Bahia, no início dos anos de 1960. Nela vivem trabalhadores descendentes de uma escravidão abolida muito no papel e pouco no cotidiano.

A narrativa é revezada entre as duas irmãs, Belonisia e Bibiana . É trama de desigualdade, porque os donos da terra não são os que pegam na enxada. É trama de violências, da fome, da falta, da seca, da agressão familiar, da perda, do medo.

Em volta das duas irmãs vemos a vida da família; dos pais, envolvidos em curandeirismo, misticismo e fé; da avó, perturbada por um passado secreto; dos vizinhos, com seus problemas particulares; dos trabalhadores, mantidos “quase” em regime de escravidão.

Quando adultas, as duas meninas se separam: Belonisia torna-se personagem da vida da fazenda; à Bibiana, as injustiças daquela vida parecem irresignáveis levando-a a juntar-se à luta pela emancipação e pelo direito à terra.

Era um desejo de liberdade que crescia e ocupava quase tudo o que fazíamos. Com o passar dos anos esse desejo começou a colocar em oposição pais e filhos numa mesma casa.

Durante a leitura, me lembrava da data a que se refere o livro: décadas de 60 e 70. Para mim, outro dia. Mas, um outro Brasil, para mim um estranho Brasil que agora muito me abate.


Um outro livro que muito me impressionou, foi da jovem autora Bianca Santana.

Comprado para minha neta, mas recomendado para todos os amigos, Quando me descobri negra é um livro lindamente ilustrado e bastante contundente. A autora trata do embranquecimento social que os negros passam quando ascendem a posições onde não são esperados estar, na forma de uma série de relatos sobre experiências pessoais ou ouvidas de outras mulheres e homens negros no livro

“Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena.”

Ela explora o racismo tão estrutural em nossa sociedade, que ainda teima em querer embranquecer o país, distanciando a cultura e origem africana de seus descendentes.

“Eu sempre soube que não era branca, mas aquilo não era uma questão para mim, eu misturava com a classe social.”

A escritora lembra que começou a intuir sobre a sua identidade quando começou a dar aula para jovens e adultos.

“Eu fui branqueada em casa, na escola, no cursinho e na universidade. É como disse Francisco Weffort: o branqueamento apaga as glórias dos negros, a memória dos líderes que poderiam sugerir caminhos diferentes daquele da humilhação cotidiana, especialmente para os pobres. Ainda em busca de identidade, afirmo com alegria que sou negra há dez anos. E agradeço ao professor do Educafro que pela primeira vez, em 21 anos, fez o convite para a reflexão profunda sobre minhas origens. O coordenador me disse que era bacana ter uma professora como os alunos e nunca tinha dito aquilo para meu colega, um homem branco.”

Atualmente, a afirmação sobre ser negra é a base de sua existência: sendo uma ativista e militante, com diversos outros livros escritos.

“Homens brancos costumam se afirmar como pessoas ou seres humanos, em volta deles existe a noção de universalidade. Mulheres brancas se apresentam como mulheres, e mulheres negras são atravessadas pelo gênero e pela raça”.

Sinto a necessidade em ler mais sobre racismo. Em ler mais sobre mulheres negras. Em ler mais autoras e autores negros. Não consigo conviver pacificamente e de forma não informada sobre essa triste face brasileira.


E paro por aqui esse post, quase desabafo.

Agora entrarei em recesso de final de ano. Retorno com meus pitacos e sugestões de leitura a partir da segunda quinzena de janeiro!

Bom final de ano a todos! Boas leituras e até 2021!

📚Heloiche Lê
 

Assine 📚Heloiche Lê e receba dicas de leituras a cada duas semanas, direto no seu email ↓