Prêmios literários e seus finalistas

Eu como leitora que tem por escolha preferencial escritores contemporâneos, costumo acompanhar prêmios literários e suas listas de finalistas e premiados. Gosto em especial dos prêmios brasileiros:  Prêmio Jabuti, Prêmio São Paulo de Literatura,  Prêmio SESC de literatura (que privilegia autores estreantes) e o Prêmio Oceanos, um dos mais relevantes por sua amplitude e valor dos prêmios.

Geralmente, durante o ano, vou anotando quais livros acho que aparecerão nas listas. E quando acerto algum comemoro. Mas na maioria das vezes, as listas de finalistas só fazem gerar infinitas listas de desejados com urgência.

No último mês de agosto o Prêmio Oceanos divulgou a lista de seus 54 semifinalistas, sendo 30 brasileiros. Vou comentar brevemente sobre dois deles que li recentemente e um que apostei todas as fichas e não apareceu na lista.


Surpreendeu-me a indicação desse livro do Michel Laub, que gostei por demais, mas que gerou muitos desencantos entre os leitores do autor. Eu acompanho esse escritor desde que li Diário da Queda e me encantei por sua força e estilo. Ele sempre causa admiração, tanto nos temas tratados como na forma. Assisti à live de lançamento em meados de 2020, onde Laub afirma que a escrita do livro começou pela decisão da forma, pois queria escrever o livro como uma entrevista.

Conta a história de dois irmãos, Raquel e Alexandre, que odeiam-se.

Pode-se dizer que a relação de ambos é construída a partir da raiva e do repúdio mútuo. Os desentendimentos entre ambos culminam em um episódio de violência extrema, onde, durante uma palestra, Raquel é brutalmente agredida com barras de ferro. Durante o ato de agressão, uma plateia de mais de 600 pessoas assistiu ao ato de forma silenciosa e extática.

O tema do livro é o ódio, e coincidentemente foi escrito em 2018, ano em que tivemos um período eleitoral dos mais odiosos do Brasil. No livro, Raquel e Alexandre são dois personagens emblemáticos e opostos no espectro social: Raquel é uma mulher gorda, que entende seu corpo como um objeto político e o usa como objeto de uma arte performática; já Alexandre é um empresário que se alia a um pastor neopentecostal para criar uma forma de estado paralelo com grande influência na periferia de São Paulo. Nesse contexto, há uma jornalista alemã que resolve fazer um documentário sobre a agressão e para isso entrevista os dois irmãos. O livro é todo construído a partir de fragmentos desses dois relatos, mostrando a óbvia oposição entre a visão dos dois sobre o ocorrido.

“Você trabalha com isso, sabe como funciona. Esses dias eu vi um programa de entrevistas, tinha um rapaz na cadeira de rodas porque tomou um tiro de um vizinho e eu pensei, e se ele ficasse o tempo todo em silêncio? Faz a primeira pergunta, ele não responde. Faz a segunda, a terceira, ia ser curioso porque uma fala sobre ódio também é uma fala sobre o objeto do ódio. Esse objeto causa uma reação ao ser olhado. Isso também faz parte, na verdade é o que melhor explica o processo todo, então eu imaginei como seria se a gente começasse assim. Pelo menos no início, nenhuma retórica. Nenhum truque, nenhuma palavra de enfeite.”


“Já pensou? Começa com uma imagem do meu rosto, acho que você ainda pega o contorno das marcas. Não os hematomas como estavam, mas mesmo assim. O meu nariz ficou um pouco torto também, dá para ver ainda? Se não der, eu tenho uma cicatriz em cima do peito. Cinco centímetros, da axila até quase a altura do mamilo. Quer que eu baixe a blusa e mostre?”


“Se você entrevistar cada uma das seiscentas pessoas, elas vão dizer que são menos culpadas que o homem. Talvez até que não têm culpa nenhuma, afinal elas só saíram de casa para assistir a uma série de debates. Um simpósio de gente bem-intencionada. Um encontro de cidadãos exemplares no Hotel Standard, a dois quarteirões da avenida Paulista, como é que elas vão imaginar que uma das palestrantes ia levar uma surra na frente delas?”

Relendo agora minhas anotações e alguns trechos de destaque do livro, entendo bem o porquê da reticência dos leitores como também a razão da indicação. Inovador e brilhante  Michel Laub, como de costume.


Jefferson Tenorio é minha aposta no sentido de ser um dos grandes premiados deste ano. Nesse livro temos o narrador Pedro que perde o pai de maneira trágica e no decorrer do livro, reconstrói a vida dos pais por meio de conversas e memórias de acontecimentos passados.

Pedro centraliza na historia do pai - um negro , professor de literatura de escola pública. Tem-se portanto uma história marcada pelo racismo e preconceito com fortes pinceladas dos problemas da escola pública brasileira.

A história se passa no sul do Brasil, que considero uma região brasileira importante quando falamos de racismo e é toda narrada em primeira pessoa. Mesmo sendo em primeira pessoa, o autor escolhe o estilo narrativo sempre como se estivesse numa conversa com o pai, com um tom epistolar que me conquista de imediato.

Um livro forte que tangencia diversos problemas brasileiros e coloca fundo o dedo no racismo em todas as suas nuances - do mais velado via piadas inocentes ao mais explícito pela violência.

Para mim, passagens das mais relevantes são as que ele conta da força que o pai creditava à literatura, colocando-a como geradora fundamental de mudança social.

“Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava-se. ...Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si. Era esse o seu modo de lidar com as coisas. Hoje, prefiro pensar que você partiu para regressar a mim. Eu não queria apenas a sua ausência como legado. Eu queria um tipo de presença, ainda que dolorida e triste. E apesar de tudo, nesta casa, neste apartamento, você será sempre um corpo que não vai parar de morrer. Será sempre o pai que se recusa a partir. Na verdade, você nunca soube ir embora. Até o fim você acreditou que os livros poderiam fazer algo pelas pessoas.”

Enfim, um espetáculo de livro que merece muitos prêmios e muitos leitores.


Para terminar minha lista desse post, Os Supridores. Segundo livro e primeiro romance do jovem escritor gaúcho José Falero Jr., que sigo apostando todas as fichas em futuras premiações.

A história se passa na periferia de Porto Alegre e tem como personagens centrais dois amigos, Pedro e Marques, que trabalham como supridores de um supermercado. Ambos muito cansados da vida sem perspectiva que levam, das condições de trabalho e das desigualdades sociais.

Pedro, um personagem dos mais interessantes, lê muito e tenta sempre associar o que lê com a realidade em que vive. A partir disso, resolve que precisa dar a volta por cima e rápido. Convida então Marques para, em parceria, venderem maconha que, mesmo sendo uma droga menos rentável, ou até mesmo por esse fator, tem alta demanda e poucos fornecedores. Um mercado potencial e que não geraria atrito entre gangues vendedoras de drogas que se concentram em cocaína e derivados.

O negócio começa a dar certo, o grupo cresce e o livro se desenrola a partir daí.  Vale mencionar que Pedro, como líder do grupo, define-se rigorosamente segundo a teoria marxista, o autor que ele mais lê e admira.

“Mas não te engana, não, mano! Não pensa nos pobre só como uma pá de coitado. Pra um pobre virar um burguês filho da puta, não precisa muita coisa. Basta uma boa oportunidade. Os pobre tão na merda, trabalhando e trabalhando para fazer crescer a fortuna dos burguês, mas tu sabe o que eles mais quer? O que eles mais quer é um dia virar burguês também. O que eles mais quer é uma chance de enriquecer às custa do trabalho alheio. O que eles mais quer, Marques, é fazer com os outros tudo aquilo que sempre foi feito com eles...”

Maura Martins, em sua resenha do livro para Escotilha, escreve: "Com elementos que refletem a própria história de José Falero (que leu o primeiro livro aos 20 anos, formou-se no EJA e também trabalhou como repositor em supermercado), Os supridores é uma leitura que consegue ser densa e ao mesmo tempo bastante didática àqueles que não enxergam para muito além da sua bolha. Seria altamente recomendável que entrasse como leitura obrigatória em listas escolares."


Continuarei nesse excitante tema de prêmios e premiações, pois em minha cabeceira já repousam outros dos muitos indicados.

Fiquem bem e até a próxima.

📚Heloiche Lê
 

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