Confesso que começo esse post com dúvidas. Alguns queridos seguidores propuseram que eu contasse mais detalhes sobre os livros, criando resenhas mais estruturadas e formais. Tentei, mas achei que não é minha praia nem o meu estilo.
Então continuarei com minha informalidade, mostrando o sentimento que a leitura me provoca e tentar conquistar leitores que também queiram passar por experiências e aprendizados tão marcantes como as que passo com os livros que leio.
Então indo ao que interessa, hoje falarei sobre apenas um livro. Mas que livro necessário e marcante. Tenho sentido uma atração especial pela literatura nigeriana. Sinto necessidade de conhecer essa cultura, para mim tão estranha e ao mesmo tempo tão familiar. Enxergo origens e similaridades com o Brasil que tenho vivido e observado nessa minha longa trajetória por aqui.
Esse livro é considerado o precursor da literatura nigeriana. Foi escrito em 1958, dois anos antes da independência da Nigéria. Muitas pessoas com quem conversei sobre o livro não conseguiram terminar a leitura tamanho o horror que o personagem central Okonkwo, representante da etnia Ibo, machista, homofóbico, e agressivo, lhes causou.
Mas estranhei essa resistência a uma leitura que tanto me arrebatou.
Me fez lembrar de quando viajei para a Coréia e China. Conversas posteriores amigos comentavam sobre como as pessoas nesses países eram porcas, arrotavam na mesa, e cuspiam em todo lugar. Mas como pude gostar tanto de lá a ponto de um dia querer voltar e passar mais tempo? Porque mesmo ouvindo arrotos e fugindo de cusparadas, são certas coisas que fazem parte da cultura local e merecem respeito. E quero conhecer mais para entender. Assim tem sido meu encanto por escritores nigerianos.
Okonkwo nos faz muitas vezes odiá-lo e em outras ter uma enorme empatia. Nada do que ele faz, como surrar mulheres e filhos, matar um filho e mutilá-lo ele considera errado, mesmo sendo atos abomináveis para nós. Os filhos e suas mulheres são sua propriedade e como tal são tratados. Um trecho que acredito nos faz entender ainda melhor a complexidade desse personagem:
“Okongwo governava a família com mão pesada. Suas esposas, principalmente as mais jovens, temiam constantemente seu temperamento violento, assim como os filhos menores. Talvez, no fundo do coração, Okonkwo não fosse um homem cruel. Mas toda sua vida era dominada pelo medo, o medo do fracasso e da fraqueza. Era um medo mais profundo do que o medo do mal, dos deuses caprichosos e da magia, do que o medo da floresta e das forças malignas da natureza, de garras e dentes vermelhos. O medo de Okonkwo era maior do que todos esses medos. Não se manifestava externamente; jazia no centro do seu ser. Era o medo de si próprio, de que afinal descobrissem que ele se parecia com o pai. Mesmo quando menino pequeno, magoava-se com o malogro e a debilidade do pai. E ainda agora lembrava-se do quanto havia sofrido quando um companheiro de brinquedos lhe dissera que seu pai era abala. Foi então que aprendeu que abala não era apenas outra palavra para mulher, mas também significava homem que nunca recebera título algum. Foi assim que Onkonkwo se viu dominado por uma paixão: odiar tudo aquilo que seu pai, Unoka, amara. Uma dessas coisas era a doçura e a outra, a indolência.”
Outro aspecto interessante da cultura é que a vida civil e a religiosa são uma só; tudo se justifica e se encaixa em preceitos religiosos. Religião dita o que pode ou não ser feito, inclusive na vida profana.
Mas o cerne do livro é a chegada dos colonizadores, os ingleses. E como todo colonizador, tenta destruir os alicerces de uma cultura para impor a sua.
A começar pela religião. Os missionários vão se instalando devagar nas tribos e aldeias, e, diria eu, “comendo pelas bordas.” Convertendo os considerados párias da sociedade vigente, aqueles que não se encaixavam e que de alguma forma não aceitavam a forma de ver o mundo da tribo. Modernidade talvez, mas o que é um povo que perde sua cultura? Como sobreviver ao desmoronamento de seu mundo?
Outra qualidade que me impressionou no autor foi seu modo de escrever. Ele nos apresenta uma cultura, sem nenhum juízo de valor. Isso ele deixa a critério do leitor.
E também, não posso deixar de falar do encanto que me causa a linguagem com que se expressam os Ibos. Cheia de metáforas, ditados e histórias. Lembrou da minha avó, que sempre tinha um ditado e/ou uma parábola para toda situação da vida.Como uma das histórias da mãe de Okonkwo:
“Por que os mosquitos sempre atacavam as orelhas das pessoas? Quando era pequenino, sua mãe lhe contara uma história sobre isso. Uma história tola, como todas as que contam as mulheres. - Certo dia, o Mosquito - contou a mãe - resolveu pedir a Orelha em casamento. Como única resposta, a Orelha rolara no chão, num riso incontrolável. - Quanto tempo mais você pensa que ainda vai ter de vida? - perguntou ao inseto. - Você já é um esqueleto. - O Mosquito foi-se embora, humilhado. E, desde então, sempre que passa perto da Orelha aproveita para dizer-lhe que ainda está vivo.”
E tudo isso são pequenos elementos desse livro brilhante. E acredite, o difícil que foi dormir com o “barulho” que ele me causou. Poderia escrever muito mais sobre ele, cujo conteúdo faz jus ao título e que me fez analisar tantos paralelos com o que estamos vivendo atualmente.
De novo, estou aqui aberta a perguntas, criticas e sugestões. E certamente, continuarei em minha saga de entendimento da África.
Cada vez acredito mais que temos um, não, dois pezinhos lá.