Domingo de carnaval! Não foi fácil escolher livros sobre os quais num dia de alegria fosse de bom tom falar. Tudo que tenho lido ultimamente tem sido tão triste.
Fiquei me perguntando: porque escolhi livros tristes?
Depois de bastante pensar e analisar os títulos lidos, percebo que estou buscando na literatura vínculos com a realidade atual no Brasil, onde vivemos uma era de extremos.
Títulos necessários, mas sobre as quais vou falar em dias mais neutros que num domingo de carnaval, que pede descanso e alegria.
Escolhi hoje dois livros que julgo “gostosos” de ler, mas que não são livros que esquecemos como os amores de carnaval!
Com todo o esplendor que só a Hollywood do século passado pode oferecer, esta é uma narrativa inesquecível sobre os sacrifícios que fazemos por amor, o perigo dos segredos e o preço da fama.
Lendária estrela de Hollywood, Evelyn Hugo sempre esteve sob os holofotes ― seja estrelando uma produção vencedora do Oscar, protagonizando algum escândalo ou aparecendo com um novo marido… pela sétima vez.
Agora, prestes a completar oitenta anos e reclusa em seu apartamento Upper East Side, a famigerada atriz resolve contar a própria história - ou sua “verdadeira história” - , mas com uma condição: que Monique Grant, jornalista iniciante e até então desconhecida, seja a entrevistadora.
Ao embarcar nessa misteriosa empreitada, a jovem repórter começa a se dar conta de que nada é por acaso - e que suas trajetórias podem estar profunda e irreversivelmente conectadas.
Esta pequena apresentação dessa deliciosa leitura em muito pode enganar. A princípio, pensei que fosse ler algo muito superficial sobre um mundo vazio. A escrita, dedicando um capítulo a cada marido, pega o leitor pela curiosidade e por um certo mistério que permeia todo o livro que é o da relação da Evelyn com a sua escolhida para escrever a história.
Evelyn Hugo é uma figura que nos conquista por todos seus defeitos e qualidades, mas, principalmente, pela sinceridade e clareza com que é capaz de olhar para si, sua vida e para tudo que a rodeia. Difícil trazer a tona todas as máscaras que precisamos usar ao longo da vida para conquistar o que queríamos, e ela faz isso de uma forma honesta e muito crua.
Sendo a personagem uma atriz talentosa e que queria obter o sucesso que fizesse jus ao seu talento, numa Hollywood nos anos 20, questões de gênero são mais do que marcantes e se sobressaem muito. Além disso, temos questões de preconceito, pois ela é de origem cubana e tem que se travestir de loura e esconder totalmente sua origem latina.
E para completar a complexidade da personagem, ela é bissexual. Para assumir esse seu lado, tem que usar de artifícios que nunca antes vi na literatura, mas que, acredito, são fidedignos ao mundo cinematográfico, onde a imagem é tudo, ou seja, o “real” dos atores fora das telas é uma construção conveniente.
O livro é bom, gostoso de ler, diverte, tem o que contar e faço coro aos que o recomendam fortemente.
Agora vou falar de outro que gostei muito, mas alguns amigos não conseguiram passar das primeiras páginas. Diria eu, um pouco mais indigesto que o anterior, mas bom de ler, nem que seja pelo cenário mais que tropical - Jamaica!
Em um resort luxuoso nas belas praias de areia branca da Jamaica, Margot luta para manter Thandi, sua irmã mais nova, na escola. Ensinada desde pequena a usar o corpo para sobreviver, ela está determinada a proteger Thandi do mesmo destino. Mas quando a construção de um novo hotel ameaça sua vila, Margot enxerga uma oportunidade de independência financeira e a chance de admitir um segredo chocante: seu amor proibido por outra mulher. Bem-vindos ao Paraíso é um romance de estreia poderoso e um hino sensível aos dramas de um mundo escondido na vasta extensão de mar turquesa, um lugar que muitos turistas veem apenas como um paraíso.
Nos anos 1990, e com o boom do turismo de luxo em andamento, as praias da Jamaica se oferecem aos estrangeiros como um paraíso na terra. Cenários deslumbrantes, hotéis muito confortáveis e, naturalmente, sexo e droga baratos e acessíveis.
Por trás disso está, é claro, um povo miserável, perdendo casa e trabalho por causa da especulação imobiliária. A história de sempre dos países pobres, agravada por uma sociedade que, ao mesmo tempo que é o paraíso liberal dos turistas, é racista, machista e extremamente homofóbica.
Qualquer semelhança com outros paraísos tropicais, onde vemos até presidentes da república convidando turistas para conhecer suas belas garotas, não é mera coincidência.
É nesse cenário que a autora constrói o personagem central da história, uma mulher chamada Margot, negra de 30 anos, pobre, lésbica, muito bonita, prostituída pela mãe quando era criança, e que faz de tudo para conseguir algo na vida e poupar sua irmã caçula de repetir sua história.Todos os personagens fortes são femininos, e de mulheres que foram deixadas com seus filhos por homens, que em busca de uma vida melhor às esqueceram.
Terminei a leitura e fiquei por muito tempo pensando na Margot, não como um personagem a quem admirar pois em muitos pontos ela foi vilã absoluta, mas na tristeza da vida que a conduziu a tudo que fez.
Esse foi o livro de estreia da autora que também é jamaicana e que, portanto, com a coragem dessa escrita, para mim, mais uma forte mulher jamaicana.
Bom carnaval a todos! Sempre com muito respeito e responsabilidade!