“As pessoas não morrem, ficam encantadas… a gente morre é para provar que viveu.” — João Guimarães Rosa, em discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, 16 de Novembro de 1967
O mês de maio sempre foi um mês muito festivo. Muitos aniversários de pessoas das mais queridas da vida. Dia 31 foi o dia em que minha mãe se casou, e eu sempre a presenteava com uma flor de maio, uma de suas preferidas. Agora também um mês das maiores saudades da vida - saudades de ser filha!
Todos os livros que eu lia, eu mandava para ela com um bilhete do que eu tinha achado da leitura. E vice-versa. Era minha principal interlocutora literária. Aí fiquei pensando em como seria o bilhete que enviaria para ela das minhas últimas leituras. Deu saudade e assim farei essa postagem.
"Mãe, tenho certeza que você vai adorar esse livro novo da Allende. Você nunca desgosta dela. Fã de verdade. E esse tem tanto relato histórico como drama familiar, seus ingredientes prediletos, não são?
Eu, como você bem sabe, não leio mais Allende desde que li Paula, e enjoei de vez. Você sabe que não gosto dessa história de fantasmas conversando com vivos,cabelos verdes, o chamado realismo fantástico. Fujo dele como diabo da cruz. Mas nesse, ela conseguiu em 300 páginas não colocar um fantasma sequer.
Aprendi bastante com a leitura e acho que você vai gostar mais ainda. Não conhecia essa história do Neruda ter fretado um navio e mandado 2000 espanhóis para o Chile durante a época da revolução espanhola. Pouco sei da história da revolução espanhola, dos países basco, etc.
No livro é dito que Neruda escolheu a dedo pessoas que fossem “melhorar” o Chile, ainda um pequeno país emergente. Estranho isso. Parece a história do Noé escolhendo as espécies para salvar em sua barca. Não acredito muito. Deve ter havido muita compra de lugar no tal navio.
Diz a lenda que os personagens do livro são verídicos e frutos de uma longa pesquisa histórica de Allende e inúmeras entrevistas. Mas ela faz seus allendismos ao pintar o mundo mais cor de rosa do que realmente é. Imigrar e ser um imigrante não é uma jornada tão exitosa, como bem podemos ver nos dias de hoje. Então, se os personagens do livro são reais, foram escolhidos a dedo.
E o final mãe, você vai me desculpar, mas ela abusou. Foi absolutamente desnecessário e literariamente risível. Leia e depois me conte.”
“Mãe, esse livro é dos melhores que li esse ano. Quem me indicou foi o Márcio. Ele é craque em descobrir calhamaços. Você soube que ele está relendo Guerra e Paz ? E olha, que ele não é lá muito fã dos russos… Mas esse Pachinko é muito bom.
De início achei que fosse alguma coisa sobre mafiosos japoneses (os Yasks) e o jogo. Pachinko é o nome de um jogo muito popular no Japão até os dias de hoje, tendo inúmeros salões de Pachinko espalhados por todo Japão. Estranhei saber pois, assim como no Brasil, jogo é ilegal no Japao. Mas tem lá um jeitinho, que permite que as casas de Pachinko existam e rendem cerca de 900 bilhões de dólares por ano. Depois te mando um vídeo que fala como é esse jeitinho.
Mas o livro está longe de ser sobre o jogo. De novo, relato histórico cozm uma saga familiar fantástica. O livro começa em 1900 na Coreia e termina em 1989 no Japão. Que triste foi a guerra da Coreia. Que tristes colonizadores os japoneses… Os coreanos eram empurrados para bairros como guetos, de uma pobreza infinita. Não conseguiam bons empregos, não podiam falar sua língua e até o nome tinha que ser mudado para um nome japonês. E como cidadãos de segunda classe viam em atividades “ilegais”, como os salões de Pachinko, uma das raras possibilidades de ascender economicamente.
Pelo que andei lendo isso persiste até hoje. Os salões de Pachinko são atualmente dominados por coreanos e seus descendentes. Leia logo mãe. O livro é grande mas flui que é uma beleza. Quando a gente vê, já é de madrugada e estamos lá curiosos com o desenrolar da história de Sunja e sua família.
Bom, a gente pode ler autores asiáticos com mais frequência agora não acha? E os coreanos têm aparecido muitos. Já estou com outro aqui para ler sobre a guerra da Coreia. No Pachinko é falado muito superficialmente sobre jovens mulheres coreanas que foram sequestradas para servirem como escravas sexuais dos soldados japoneses. Parece que não foram poucas, cerca de 200 mil mulheres. Foi para conhecer um pouco mais sobre isso que comprei o livro que comecarei a ler em seguida. O nome é Grama. Mas essa é uma história em quadrinhos, duvido que te convença a ler. Eu precisava ter lido mais sobre a história da Coreia quando estive em Seul. Perdi muito com isso. Fica para a próxima!”
Salão de Pachinko
Sempre será assim, a cada livro que eu ler e achar que ela iria gostar. Que falta faz essa troca que tínhamos e que agora existe somente dentro de mim!
Saudades mãe!